FICHÁRIO DA OBRA:
Título: Palavras de Pesar | Autor: Nildo Naschedin
Ano: 2018 | Catálogo: NR01.004.002-000 | Formato: Conto Literário
Gêneros: Psicológico | Drama | Romance | Comédia | Jovem-Adulto
Audioleitura:
PALAVRAS DE PESAR
Em uma simples festinha de aniversário, enquanto me resguardava das máscaras sociais, fixei na filha da vizinha. Nunca a tinha reparado direito, porém logo obtive retorno.
Depois de passar boa parte da festa me encarando, a garota finalmente avançou em mim.
— Não vai entrar na piscina? — Ela iniciou o cortejo.
— Não sinto prazer em chafurdar na mescla de fluidos corporais adversos que tornam meu corpo propício a doenças infecciosas — respondi francamente.
Ela inclinou um pouco a cabeça e permaneceu em silêncio. Pensei que tinha desistido, mas curiosamente sentou ao meu lado.
— Por isso tá sozinho aqui? É parente do Dylan?
— Ele é meu primo. E não estou sozinho, apenas descansando. — Menti.
Ela riu e disse:
— Então você tá muito cansado, não fala com ninguém e já faz mais de hora que tá sentado.
— E como sabe disso? Por acaso tem me vigiado todo esse tempo?
Eu já sabia, mas queria entender a razão da sua obsessão.
— Tenho! Você olhou para mim com tanta vontade que fiquei interessada. Não posso? — ela desdenhou.
— Pode, fique à vontade. Mas recorde-se de que esta ainda é uma festa infantil. — Instruí.
— Quem é você? Parece um velho falando.
— Eu cresci distante de eventos sociais, enquanto uns têm amigos; eu tenho a mim. E já que vou passar um bom tempo comigo, será melhor se eu aprender várias coisas interessantes para ter assunto.
— Fez curso de como ser chato?
— Aqueles com intelecto passam a ser proferidos de chatos pelos que vivem em leigas condições.
— Quando criança engoliu um dicionário, foi? Fale como gente, se ficar se amostrando assim só vai afastar o povo.
— Já estou formado, não irei mudar para agradar ninguém.
— Pois vai ser difícil arranjar uma namorada.
— E quem disse que quero?
— Acredito! — enfatizou.
Ela chegou mais perto e apontou o dedo indicador na direção de algumas moças de biquíni.
— Mas para ficar com aquelas gostosas, tem que ser malandro.
— Não é a minha intenção andar com esse tipo de gente. E eu não sabia que você era assim.
— Gostosa?
— Malandra.
— E gostosa!
— Tenho certeza que não é.
— Então me avaliou? — Ela abriu um genuíno sorriso.
Senti minhas orelhas queimarem enquanto respondia:
— A meu ver, “gostosa” é um termo vulgar que os garotos usam para destacar meninas de mulheres. Ser pré-moldada na fábrica dos gostos sociais não é um diferencial, é ser apenas mais um produto. Se quiser ser comparada a uma lata de refrigerante, nada tenho a te dizer. Mas se por ventura ainda assim estiver me perguntando o que acho do vosso corpo, posso lhe garantir que aprecio sua natureza.
— Você não me respondeu.
Não sei se ela não entendeu ou se fez de propósito, de toda forma, seco de vergonha, respondi com sinceridade:
— Sim, acho você muito bonita! Feliz?
— Aham! Você também é lindo. Adoro seus pés.
— Meus pés? — Estranhei.
Será que ela ficou tão envergonhada que perdeu o senso do ridículo?
— Sim, são bem cuidados.
— Então de todos os lugares, os meus pés que te chamaram atenção?
Fui cauteloso no freno, quem sabe até onde essa conversa ia.
— Gosto de pés! — disse severa.
Parecia falar a verdade. Para não ficar um clima estranho, revelei:
— Bem... já eu gosto do seu sorriso.
Ela me assustou gargalhando como uma galinha que fora espetada viva.
— Que papinho, hein? Antes não me queria por perto, agora está me cantando?
— Não foi meu propósito, só retribuí o elogio.
— Quer dizer que mentiu?
— De forma alguma, eu admiro como sua dentição é límpida e bem organizada. E também, você tem um belo traço contornando o rosto.
— Hm... eb, o-obrigada! — falou desconcertada.
Sua pele branca iluminou-se, o que me deixou satisfeito.
— Quer namorar comigo? — disse radiante.
— Como assim?
Ela acabara de me pegar desprevenido.
— Vamos você sabe... eu gosto de você e você de mim.
— Penso que nossas definições de “gostar” são diferentes. Se você estiver pedindo uma chance para uma relação, tudo bem. Mas, namorar? Vamos com calma.
— Então, aceita?
— Antes eu preciso te conhecer. Não sei nem seu nome!
— É “Pri”. Como não sabe se moramos perto?
— Olha, você está muito afobada. Fico feliz que tenha gostado de mim, mas ainda somos desconhecidos. Vamos conversar mais, para que aí sim venha um compromisso afetivo e duradouro.
— Não estou te pedindo em casamento, menino! Deixe de cu-doce e aceite logo.
— Não é assim que funciona, você não pode sair conversando com qualquer um e alguns minutos depois já estar amancebada.
— Assim vai perder a chance. Os outros sempre aceitaram de boa, só você que não admite gostar de mim.
— Não sou tão miserável quanto esses “outros”. E por que insiste nessa ideia torta de que gosto de você?
— Me desejou tanto durante a festa que quase me senti suja.
— Apenas olhei rapidamente enquanto você encarou-me por horas. Eu que me senti incomodado!
— Certo, entendi. Você é tímido e não sabe o que fazer. Basta ser honesto e dizer que gosta de mim.
— Mais honesto impossível, você parece querer ver somente o seu lado. Gostei de você de uma maneira educada, pelo fato do nosso diálogo ter me resguardado o deleite de uma companhia. E apenas...
— Você gosta de mim?
— Por um momento pensei que você fosse uma pessoa que apreciaria em meu tempo...
— Você. gosta. de. mim!?
Interrompeu-me pausadamente.
— Apesar de eu ter por breve uma direção mental errônea, você mostrou a que veio, enfim...
— Basta me responder. Não entendo o que é tão difícil.
— O difícil é você não compreender o que está fazendo. É preciso ter discernimento de como é realmente viver. Você não investe significado às coisas. Fala em trocar sentimentos como cédulas em um negócio bem-sucedido. As palavras têm peso. Os sentimentos estão no cuidado que você emprega nas coisas que diz ou que faz. Se eu não me importar e falar a esmo, no fim, nada vai ter valor.
— Eu sei, não estou dizendo por dizer. Eu realmente sinto que amo você. Quando te vi, você não saiu mais da minha cabeça.
— Isso se chama paixão, não é grave! Fique tranquila que logo passa.
— E você? Também me ama?
Por alguns instantes, simplesmente permaneci calado fitando os olhos dela, me levantei e fui embora decepcionado.
Se ela disse mais alguma coisa, eu não lembro. Mas como experiência, entendi que, na maioria das vezes, um rosto muito requintado esconde uma mente debilitada.
Quando o sol partiu, retornei ao evento para entoar os parabéns. E, naquele local isolado, onde me refugiei pela manhã, estava ela, completamente arrebatada, lubrificando os lábios de outro recruta.
© 2018 - Nildo Naschedin.
0 Comentários