Nildo Naschedin - O Suar das Sete Macetas (Conto Dois - 2019)

 

Capa do conto em visualização 3D - Nildo Naschedin 


FICHÁRIO DA OBRA:
Título: O Suar das Sete Macetas | Autor: Nildo Naschedin
Ano: 2019 | Catálogo: NR01.006.002-000 | Formato: Conto Literário
Gêneros: Fantasia | Drama | Apocalipse | Comédia | Jovem-Adulto

Audioleitura:

O SUAR DAS SETE MACETAS

Após milênios espreitando as rotinas incoerentes da humanidade, ele surgiu nos céus para purificar um mundo alienado de violências e futilidades em prol de um futuro utópico, reinado pela hipocrisia. Não suportando a dor latente dos momentos finais, chorou, aguardando enfim o estímulo restante à ejaculatória.

No solo, era só mais um dia qualquer no ano de 2029. Por volta das nove horas do dia nove de novembro, o último de doze irmãos de uma paupérrima família maranhense vinha a óbito por desnutrição. O pai desolado, em derradeiros lampejos de lucidez, apunhalou repetidas vezes seu vizinho por lhe furtar uma galinha.

Ver esta cena desenrolar-se foi o estopim do orgasmo celestial. Aqueles homens mirrados, rolando na lama, gratinados pelo sol, atracados e urrando, enfim, revelando os animais que incubavam... Já fora o suficiente, ele não podia mais conter-se.

Descargas de raios simultâneos caíram sobre todo o globo, deixando inoperantes quaisquer aparelhos eletrônicos. Milhões morreram e outros milhares desfaleciam enquanto acidentes ocorriam em cadeia. Trovões ensurdecedores ressoavam-se como os gritos desse homem mediante as tragédias terrenas. E muitos notaram, então, sobre uma planície incendiada pela queda de dois aviões atingidos pela chuva elétrica, a figura dele resplandecente pairando no ar.

Aparentava ter próximo de trinta anos no rosto, mas uma longa barba moldada ao dorso com filetes prateados indicava o oposto. O destaque inexpressivo de olhos mergulhados no branco da esclera causava desconfortáveis alucinações àqueles que futuramente tentariam aproximar-se.

Vestia uma túnica azul-marinho de seda como casaco, adornado com duas faixas brancas verticais paralelas circundando o pescoço. O embainhado do comprido vestido era enfeitado de ornamentos em dourado. Uma larga faixa preta amarrada na região do abdômen simulava um cinto de tecido cuja boa parte das pontas sobrava do nó lateral até os tamancos de jacarandá. A vestimenta interna forrando o corpo era uma simples camisa e calça de tecelagem fofa, na cor azul-turquesa. Ninguém podia ver os braços, já que as mangas em formato de sinos eram tão extensas que ultrapassavam o comprimento do homem. Porém, ainda seria apenas metade se comparado ao tamanho do cabelo na parte traseira da cabeça que parecia um véu negro acompanhando a direção do vento.

Mas nada disto era mais chamativo que o seu falo ereto, que sim, dava para vê-lo expressivamente. Não só as pessoas próximas, mas aquelas a alguns quilômetros o repararam também. Pois, a protuberância da bitola alongava-se por uns seis metros em comprimento, onde a base se mantinha normal. Contudo, a chapeleta da glande chegava a uns dois metros de espessura. Nos tempos do futuro desespero, muitos o apelidaram de 'O Supremo e o martelo da justiça'.

Quando toda a atenção caiu sobre ele, os relâmpagos cessaram. E, em um breve momento de tensão, quando muitos não sabiam o que fazer ou o que pensar, disparou naqueles ainda vivos contínuos lasers em amarelo fluorescente projetados da uretra.

Os resultados dependiam dos alvos. Nas fêmeas atingidas, o jato pegajoso era absorvido em contato com a pele. Já nos machos, ocorria um processo doloroso de descalcificação e redução de toda a estrutura óssea corporal. Os homens impactados em poucos instantes tornavam-se bolsas de carne espalhadas pelas ruas.

Mulheres surpreendiam-se com a tonalidade do corpo avermelhando enquanto a pele secava e ardia. Na linha dorsal, da nuca ao cóccix, espichavam-se quatro asas membranosas justas. Seus braços e pernas cresciam e afinavam na mesma proporção em que, inversamente, o tronco e a cabeça regrediam e achatavam. A mandíbula expandia para frente, salientando duas novas arcadas de presas, formando o número oito deitado. Os cabelos e as roupas combustavam ao absoluto por meio da radiação corporal, tornando impossível uma aproximação.

Passando agora a agir como criaturas irracionais, quando concluída a transformação, partiam para degustar o prato do dia. Os homens espatifados no chão como sacos de bosta ainda estavam vivos. Eles balbuciavam de dor e desespero dos seres que os devoravam, quais antes foram as mulheres das vossas vidas.

Durante os quarenta dias metralhando lasers por todo o mundo, foi projetado pela União das Civilizações Humanas um último ataque com a totalidade dos armamentos nucleares. A conclusão deu-se depois que noventa por cento da população civil fora aniquilada. Em uma das últimas reuniões dos líderes internacionais no parlamento do Reichstag Building, foi acordada a execução dos planos pelas tropas estudantis afegãs, dos quais, no momento, eram vítimas do martelo da justiça. Foram-lhes cedidas pouco mais de trinta mil ogivas de sessenta megatons espalhadas em frotas de mísseis teleguiados direcionados ao Supremo.

Este, por sua vez, encerrava os disparos, já que seu pênis agora estava flácido e em tamanho reduzido a nível africano. A munição havia acabado, entretanto, a expiação prosseguia. Todavia, seu campo de visão estava comprometido, enxames de mísseis vinham de encontro a ele. Correspondendo igual um apreciador de grandes eventos, estirou os braços encobertos para frente e bateu as palmas.

Uma onda de choque colossal varreu os mísseis para suas fontes, instantaneamente detonando-os. E, assim, contemplando as sobras da humanidade. O estampido de alta potência, resultado da colisão, viajou atrasado à devastação planetária. Mas, quando se fazia presente, ruía as estruturas e rachava a crosta terrestre transmitindo um código sintonizado às criaturas.

Elas permaneciam imóveis após serem reverberadas pelo estrondo. Passado um tempo, desmontavam, liquefazendo-se. Das poças espelhadas em prata, saíam sombras rosa em formas de cavalos com chifres vergados e crinas espinhosas. Todas partiam ao Supremo, galopando no ar em velocidade descomunal sobre as suas dezesseis patas sincronizadas.

Completamente despido das vestimentas, o Supremo aguardava deitado no solo com uma enorme boca de quatro metros de diâmetro aberta, onde as sombras equinas mergulhavam ordenadas em filas que cobriam o horizonte.

À plenitude da ingestão, o corpo retornou à normalidade requisitada. E, nesta terra árida e desértica, defecou por três dias e três noites ininterruptos. Excretando dez toneladas de dejetos negros, amontoados na forma piramidal. Moldou a massa com as próprias mãos, objetivando uma escultura de nove metros no formato de um feto recém-nascido, sentado de pernas fechadas com as duas mãos apoiadas nos joelhos.

Com a obra concluída, escavou parte da areia onde as nádegas da estátua estavam apoiadas. Ao encontrar o ânus do bebê, entranhou-se ao interior rugoso e claustrofóbico até submergir qualquer ínfima presença restante.

O monumento detinha tamanha excelência em detalhes que beirava o realismo se subtraíssemos a massiva luminescência de aura branca que se expandia gradativamente mais longe no cosmo. Trespassando a luz, composições sólidas ou extrafísicas, engolindo trilhões de galáxias e universos, implodindo toda a existência em um átomo da mediocridade.


© 2019 - Nildo Naschedin.

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